Desde aquela manhã de Dezembro de 2019, em que a mãe de um aluno irrompeu pela sala de aula de Paula (nome fictício), e, alegadamente, a agrediu, que a professora nunca mais voltou a dar aulas. Estava no primeiro trimestre de gravidez, foi assistida em dois hospitais de Lisboa, e, mais de um ano depois, já com a filha nos braços, continua a receber tratamento psiquiátrico para conseguir lidar com o que lhe aconteceu. “Sei o quão traumático foi para mim, o quanto gostava de dar aulas. Sempre foi a minha profissão de sonho e tiraram-me isso. Apresentei queixa, para que mais nenhum colega passe pelo que passei, mas é uma luta solitária”, diz.
Por isso, Paula, de 36 anos, espera que a petição do Sindicato Independente de Professores e Educadores (SIPE), para que as agressões a professores em contexto escolar sejam um crime público, que vai ser debatida esta sexta-feira na Assembleia da República (AR), tenha consequências. Júlia Azevedo, presidente do SIPE, está confiante que assim será, até porque já teve um contacto de uma força política, a dar conta de que se prepara para apresentar na mesma altura um projecto de resolução, que servirá de recomendação ao Governo, para que altere a lei. “Tivemos um contacto do Bloco de Esquerda que nos informou que vai apresentar no próprio dia uma resolução para que os professores sejam isentos do pagamento de taxas que são obrigados a pagar para se constituírem como assistentes, e para que haja reforço da autoridade do professor, através da Escola Segura”, diz.
A isenção de custos é outro objectivo da petição, que tem como ponto central permitir que a investigação prossiga mesmo que o professor não apresente queixa. Se for crime público, qualquer um o pode fazer. “Actualmente, estas agressões são consideradas crime semi-público, o que obriga a vítima a apresentar queixa para desencadear o processo-crime. E, muitas vezes, não se apresenta queixa por receio”, diz.
O caso de Paula chegou às notícias, mas ela ainda continua a preferir não dar o nome. Diz que até hoje não sabe exactamente o que levou àquela reacção por parte da mãe de um dos seus alunos do 1.º ano. Recorda-se de ter chamado a atenção do menino para que não estragasse a fruta que ela costumava levar para a sala, para quem quisesse comer. É a única razão que encontra.
Quando a mulher “irrompeu pela sala”, diz que nem sabia quem ela era, porque nunca a tinha visto na escola. “Começou a agredir-me física e verbalmente, e eu sem perceber o que se estava a passar. Tentei avisá-la que estava grávida, mas foi em vão. Logo no primeiro empurrão bati na esquina da mesa e senti uma dor enorme na barriga, depois um líquido a escorrer-me pelas pernas. O meu instinto foi ficar o mais quieta possível, para proteger a barriga. Achei que se ficasse imóvel, era melhor”, relembra.Acompanhada de três filhos menores que, entretanto, gritavam, a mãe do aluno só terá parado quando uma colega de Paula, ouvindo os gritos, a conseguiu afastar. A professora ficou fechada na sala de aula e chamou os agentes da Escola Segura. “A polícia veio, chamou uma ambulância e fui encaminhada para o hospital. Depois, foi tudo muito caótico, eu estava aflita”.
Passou pela Maternidade Alfredo da Costa e pelo Hospital de S. José. Deslocada em Lisboa, sem nenhum familiar por perto, diz que só queria voltar para o Porto, de onde é originária. O marido foi de autocarro até à capital no próprio dia, meteu-a no carro que ela não podia conduzir e levou-a para casa. Paula não voltou a dar aulas desde então. “Tenho ataques de ansiedade, insónias, alterações de humor. E não consigo ir a espaços onde haja muita gente, não consigo ter muito movimento perto de mim. Era o meu 13.º ano de trabalho, mas o primeiro ano ali. Já trabalhei em escolas bem piores, com vários tipos de problemas, e nunca pensei que isto me acontecesse”, diz.
Plataforma Violência nas Escolas – Tolerância Zero
Em Outubro de 2019, na sequência de um caso de agressões de familiares de uma aluna de Valença a professores e funcionários não docentes, o SIPE avançou com a plataforma Violência nas Escolas – Tolerância Zero, com uma linha de apoio a professores vítima de agressões. Recebeu 18 denúncias num curto espaço de tempo, levando-o a contabilizar “uma nova denúncia a cada três dias”. “Naquela altura havia uma escalada de violência pontual, não generalizada, atenção, as escolas não são campos de batalha. Mas decidimos actuar em diversas frentes”, explica Júlia Azevedo.
A pandemia “mudou muito as coisas”, refere, e parece ter travado o problema, mas a presidente do SIPE teme que seja apenas “um hiato, motivado pelas circunstâncias”. Por isso, o conteúdo da petição continua a fazer sentido, defende.
Carla Pais, de 43 anos, professora do 1.º ciclo e coordenadora de um agrupamento de escolas do Porto, concorda. Em Março deverá avançar o julgamento do caso ocorrido em Janeiro de 2019, quando diz ter sido vítima de agressão pela mãe de uma aluna do 4.º ano, de que nem sequer é professora. A criança era aluna de uma colega, que ficou em casa uma semana com varicela. “A filha da senhora veio à escola normalmente na segunda-feira, mas depois faltou e eu fui chamada por ela, enquanto coordenadora”, relembra.
Ao telefone, a mãe exigia saber por que não fora informada que a filha não tinha aulas. A professora diz que lhe explicou que isso não era verdade, que as crianças continuavam a ter aulas, a cargo de professores substitutos. Segundo relata, a mulher não aceitou a explicação, entrou na escola, agarrou Carla com violência e tentou puxá-la para o exterior, insultando-a e ameaçando-a sempre. Auxiliada por diversos funcionários, a professora chamou a Escola Segura. “Ela ficou à espera, ameaçadora. Só fugiu quando eu virei costas para ir fazer o meu trabalho”, diz.
Admite que teve medo durante algum tempo, até porque a família vive a escassos metros da escola, mas já passou. “Já tivemos outros casos de agressão e as pessoas não fazem queixa, têm medo. Ninguém tem respeito pelos professores. A mim não me passou pela cabeça não chamar a polícia, mesmo não sabendo o que me pode acontecer.”
Júlia Azevedo vai estar na AR, esta sexta-feira, para assistir ao debate. Lamenta que os condicionalismos da pandemia impeçam a presença de mais de cinco membros do SIPE, porque “a pressão, nestes casos, é importante”. Para ultrapassar essa condicionante, diz, os cerca de 12 mil associados do sindicato foram convidados a inundar as caixas de mensagens dos deputados de todos os partidos com um apelo para que a petição tenha consequências, e estes responderam “em massa”, garante. “Estou confiante. O resultado será, sobretudo, uma afirmação política. Tanto dizem publicamente que defendem os professores, que espero que agora se concretize”, diz.
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