
Artur e Gaspar são gémeos e começaram o 5º ano. Faz uma semana que iniciaram a revisão da matéria dada, em casa.
Joana, a mãe, e Francisco, o pai, passaram os meses de julho e agosto a prepararem-se “em termos práticos para as coisas, desde arrumar a casa, estudar a matéria, mas também a planear emocionalmente o ano”.
A decisão de manter os filhos gémeos de dez anos em ensino doméstico está a ser ponderada há mais de um ano, mas a pandemia veio reforçá-la. “Há algumas pessoas que tomam esta opção porque têm uma ideia educativa bastante diferente. Não é o nosso caso. Nós queremos fazer o mais parecido possível com a escola, porque queremos que eles voltem para a escola”, diz a mãe. No terceiro período do 4º ano de escolaridade dos gémeos, os pais, arquitetos de formação, acompanharam-nos de perto no estudo à distância “e correu muito bem”.
Isso fê-los refletir, mas também pesou o facto de Joana não estar, de momento, com uma ocupação, Francisco trabalhar a partir de casa e de terem condições físicas. No entanto, “a razão principal que justifica isto tudo é a incerteza sobre o que será este ano escolar”, justifica a mãe.
A busca de ensino em casa, seja por via de ensino doméstico — em que o encarregado de educação assume o papel de responsável educativo — ou de ensino individual — em que um professor contratado se responsabiliza por esse papel — está a aumentar. No final do ano letivo, com Portugal mergulhado em confinamento, mas principalmente já em setembro, após conhecidas as regras de prevenção das escolas, várias organizações de pais e grupos de professores receberam nas redes sociais um aumento significativo de pedidos de informação.
E o fenómeno do ensino em casa, sempre residual no país, com números a rondar os 909 alunos (dados do ano letivo 2017/2018), parece estar a ter um maior impacto. “Há muitos anos que os números de alunos em ensino doméstico estavam estáveis”, reforça Alexandra Nascimento, vice-presidente da Associação Nacional de Pais em Ensino Doméstico.
Na frase anterior não utiliza o verbo no passado, por acaso. A associação que coordena regista este mês um aumento de seis vezes mais pedidos de informação do que em igual período dos anos anteriores. “Recebemos centenas de pedidos de ajuda de pais”, assume ao Expresso, cujo principal ímpeto é o receio que têm da pandemia, “de os filhos contraírem os vírus”, mas também “do contexto familiar de muitos, que implica um maior risco”.
MEDIDAS DE PREVENÇÃO NÃO ACEITES
Não foi pelo medo do vírus que Íris decidiu colocar o filho de 13 anos a estudar em casa este ano letivo, o 8º. Na verdade, ele já tinha integrado esta modalidade em anos anteriores porque “não se adaptou muito bem logo no 1º ciclo e começou a ter problemas de ansiedade”. Os pais optaram por o colocar no ensino doméstico, exceto quando iniciou o 2º ciclo. “O 5º e 6º ano fez na escola. No 7º ano, descambou outra vez.” A pandemia veio acelerar a decisão dos pais em colocá-lo novamente a estudar em casa. Mas neste caso há uma mudança estrutural. Por força da portaria n.º 69 de 2019, que veio alterar as regras do jogo e obrigar, por exemplo, que os pais tenham de ter o grau de licenciatura para poderem ser responsáveis educativos, Íris terá agora de contratar duas professoras e pagar-lhes cerca de € 10/ hora. É o ensino individual, em vez de doméstico. É um esforço financeiro, mas não concorda com o uso de máscara na escola. “Acho que vai fazer mais mal que bem, e o uso contínuo do álcool em gel a mesma coisa”, e, adicionando o desconforto ao historial do filho, acredita ser esta a melhor opção. “Antes, os pais que optavam pelo ensino doméstico e individual era, sobretudo, por não concordarem com o sistema escolar. Neste momento, o que se nota é muitos pais com medo da covid-19”, acrescenta Íris, sócia da MEL (Movimento de Educação Livre), convicta de que foi mesmo a pandemia que “fez disparar os pedidos de informação”.
INFANTÁRIOS COM MENOS PROCURA
No regresso às aulas, entre os mais pequenos, regista-se para já uma menor afluência de alunos nos infantários e pré-escolar. No Porto, António Fonseca avança que creches e jardins de infância de IPSS como a Casa Madalena de Canossa, A Minha Janela ou a aCs 21 arrancaram com uma quebra de inscrições de 10% a 15% em relação ao ano passado, mas o presidente da União de Freguesias do Centro Histórico adverte ser ainda “prematuro” garantir que este ano haverá menos crianças a frequentar jardins de infância devido ao medo de contágio. “Ainda há famílias em férias, outras em lay-off, ou seja, é natural que resguardem os filhos, se puderem”, diz.
Embora seja cedo para traçar tendências, a queda de frequência escolar na primeira infância corresponde, contudo, aos resultados de um estudo efetuado pela plataforma europeia Yoopies, que, após um inquérito junto das famílias registadas na start-up, concluiu que a procura de baby-sitters cresceu em Portugal 14% em comparação ao período de retorno à escola, em 2019.
“Há mais pais a recorrerem à nossa plataforma para procurar uma baby-sitter com receio da segunda vaga do surto”, refere Marina Chiarelli, gestora da Yoopies em Portugal. Susana Batista, presidente da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular, adianta, porém, não ter dados que lhe permitam confirmar esta nova realidade, embora seja “significativo” o cancelamento de inscrições nos infantários privados, mas por razões económicas. “O que se tem assistido é a uma transferência de alunos do privado para creches de IPSS dado as mensalidades serem mais baratas”, alega.
A responsável pela ACPEEP salienta que, “mais do que o temor dos pais”, a migração do particular para o público acelerou devido à quebra de rendimentos provocada pelo surto, a par da maior oferta de vaga nas unidades das IPSS, face ao reforço de apoios do Estado. A mudança está a gerar “sérios constrangimentos” aos estabelecimentos privados, alguns dos quais fecharam portas por falta de pagamentos nos meses de confinamento.
Fontes: Este texto foi escrito pelo Expresso (para assinantes) e republicado pelo VozProf.
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